19 de junho de 2007

Personagem: Jolumá Britto

João Batista de Mello Britto Sá, com este nome poucos dos antigos saberão quem é; mas se você citar “Jolumá Britto”, muitos se lembrarão. Com vóz imponente e grave, ressoava fundo ao falar na rádio. E era reconhecido imediatamente ao falar.

Foto promocional da rádio PRC9. foto da década de 1950.

Ao longo de sua vida, Jolumá Britto construiu em seu favor um enorme castelo de realizações, que o colocava como uma pessoa extremamente útil à cidade: da fundação da primeira estação de rádio da cidade à introdução do bilhete de “Centro Nobre” para estacionamentos de carros na região central, idéia que teria trazido de uma de suas viagens à Europa. Em entrevista realizada em 1985, Brito apontava algumas de suas várias realizações em prol de Campinas: “(...) eu fui um sujeito que fiz tudo em Campinas, tem título ai de cidadão campineiro, tá lá na parede. Não é por brincadeira, certo, cidadão campineiro não era brincadeira (...) então recebi este título por que eu fundei uma porção de coisas aqui em Campinas (...) o cego trabalhador, Lions Clube Norte, Academia de Letras, Sociedade de Cultura Carlos Gomes (...).”

Para ele, o título de cidadão campineiro, cedido no final de sua vida, significava muito mais do que um prêmio, pois era a confirmação de uma vida de realizações a favor de Campinas que o colocaria no mesmo patamar dos filhos “legítimos” da cidade, como foram, por exemplo, Benedicto Octávio e Leopoldo Amaral.

Mostrava também sua devoção e lhe emprestava a importância de quem não somente presenciou durante sua vida alguns dos principais movimentos políticos e culturais da história da cidade, mas também foi parte deles, as vezes fundamental, as vezes apenas enquanto espectador: as transformações da imprensa, as revoluções, os golpes de estado e os movimentos artísticos vividos por Campinas.

Jornalista, radialista, poeta, colecionador, comediógrafo e historiador. João Batista e Mello Britto Sá (seu nome artístico era Jolumá Britto), teve uma vida relativamente longa, ao menos longa o suficiente para se consagrar como um dos maiores escritores de Campinas.

Se considerarmos o volume de publicações e manuscritos avulsos, não resta dúvida que Britto foi mesmo o maior escritor da cidade. Foram mais de trinta livros publicados em vida, vinte e sete de História da Cidade de Campinas, Tonico de Campinas, História da Cidade de Paulínia, História da Cidade de Americana e um trabalho dedicado ao clube Regatas completa a coleção.

Segundo o próprio autor, “Jolumá Britto” foi o nome adotado para a “vida pública” da rádio e da imprensa. É uma união um tanto confusa de João com o nome de uma ex-namorada chamada Luci Maia (de onde retirou o “Luma”) e o Britto de nascença. Posteriormente retiraria de seu nome a parte Mello Britto, passando a assinar oficialmente João Batista de Sá.


Seu arquivo, atualmente no Centro de Memória da UNICAMP, concentra uma quantidade enorme de textos dedicados em sua maioria a Campinas: biografias, históricos de clubes, associações e prédios da cidade. Lá, está apenas uma parte das muitas coleções do autor, que vão de flâmulas comemorativas ao valioso conjunto de almanaques produzidos na cidade no início do século XX.

Oriundo de uma família de classe baixa da pequena Espírito Santo do Pinhal, onde nasceu em 1905, em suas rememorações, espalhadas entre centenas de textos, mini-autobiografias, entrevistas e curiosos currículos manuscritos, sempre se colocou como o campineiro de coração.

Mudou-se para a cidade ainda novo, completou o ensino primário e depois foi trabalhar como jornaleiro para auxiliar nas economias da casa. Alguns anos depois, tentou a sorte no curso de contador do colégio Bento Quirino e, apesar do enorme insucesso (foi reprovado cinco vezes) teve a oportunidade de dirigir seu próprio jornal, The Pupil, que vendia a 400 réis o exemplar.

No início da década de 1920, quando “o governador Epitácio Pessoa iria ser substituído pelo mineiro Arthur Bernardes”, ingressou no jornal Diário do Povo. Primeiro com notícias sobre o movimento do cartório, depois colaborando na página feminina “Minuto de Eva”, onde escrevia pequenos sonetos. Alguns anos depois, foi contratado pela Gazeta de Campinas, onde realizou, por algum tempo, cobertura da “vida social” da cidade (função que Brito dizia ter “inaugurado”) e posteriormente crônicas esportivas, quando chegou a ser correspondente do periódico paulistano Diário da Noite a respeito de assuntos do futebol.

Mas Brito notabilizou-se principalmente por meio da imprensa falada. Considerado um dos pioneiros do broadcasting local, ajudou a fundar a rádio PRC-9 (futura Rádio Educadora de Campinas e hoje pertencente ao Grupo Bandeirantes) em 1933, com “dez contos de réis e pequenas peças”, após alguns anos de intensa labuta pelos jornais, em que aventava a idéia da criação de uma estação local e divulgava, nos fins de semana no Largo do Rosário, transmissões de futebol vindas do Rio de Janeiro.

Desde o início, até bem próximo ao final de sua vida, Britto foi literalmente uma das vozes mais reconhecidas da cidade, pois transmitiu de tudo: esportes, carnaval, grandes eventos locais (como a inauguração do mausoléu em homenagem aos combatentes de 1932 e um banquete oferecido ao então presidente Getúlio Vargas) e shows de calouros.

Apresentou dezenas de programas diários, entre musicais (como “Carnaval da Saudade”), comentários sobre o dia-a-dia da cidade, como “O Assunto das sete”. Falou muito sobre a história de Campinas em quadros como “Campinas de ontem, mundo de amanhã” sendo considerado, ao menos em Campinas, o pioneiro em diversos destes tipos de transmissão.

Por alguns anos, Brito foi uma espécie de vedete das rádios. Era responsável pelos programas de baladas e viveu o auge da “era do rádio” na cidade. No rádio-teatro da PCR-9 e no Teatro Municipal Carlos Gomes recebeu inúmeras celebridades musicais da época, como Sílvio Caldas, Orlando Silva, Almirante, Vassourinha e Carmem Miranda, além de atuar em algumas radionovelas, o que lhe valeu notoriedade especialmente entre o público feminino.

No entanto, a voz da cidade não era transmitida apenas pelas ondas da PRC-9. Durante muitos anos, Jolumá Britto também esteve diariamente nos jornais da cidade, veículo que abandonou pouco tempo antes de falecer. Sua coluna mais longeva, “Bazar”, saiu simultaneamente no Diário do Povo e na rádio durante vinte anos e versava a respeito de vários assuntos, com principal enfoque no cotidiano de Campinas; outras crônicas também apareciam nos dois veículos de comunicação, como “A crônica do speaker”.

A coluna “Bazar”, em especial, ganhou bastante notoriedade no cenário cultural da cidade, talvez por falar sobre qualquer assunto que fosse do interesse de Britto (e ele se interessava por quase tudo), inclusive política, o que o alçou por vários anos a um posto de “comentador da cidade”.

Além disso, sempre foi envolvido com diversas atividades da cidade, as quais sempre enumerava em seus currículos datilografados. Um de seus maiores, curiosamente, era o esportivo. Como pioneiro da crônica e da locução esportiva da cidade, cobria, como costumava dizer, jogos de futebol “em cima de postes”, sob chuva e descargas elétricas, luta livre, bola ao cesto, pedestrianismo, corrida de cavalos e de carros.

O futebol de Campinas, quando ainda existiam os times de bairro, na época do “amanhecer da vida esportiva dos antigos campos de nossa várzea”, teve em Jolumá Britto um de seus maiores incentivadores, não se limitando apenas à cobertura. Inicialmente orador do pequeno Esporte Clube Corinthians de Campinas (conhecido na época como “Corintinha”), passou depois a diretor da Primeira Liga Campineira de Futebol e vice-presidente do Guarani Futebol Clube durante a década de 1940.

No mais, foi presidente da “Academia Campineira de Letras e Artes”, do MMDC (Pracinhas de 1932), da “Comissão de Nomenclaturas de Ruas, Logradouros e Praças Públicas”, da “Associação Campineira de Turismo” e do Sindicato dos Jornalistas local. Foi também co-fundador da “Associação Campineira de Imprensa” e da “Associação dos Radialistas de Campinas”.

Jolumá Britto ao centro da foto, quando das comemorações de 9 de julho, junto ao Mausoléo dos Pracinhas na entrada do Cemitério da Saudade em Campinas.

Para o teatro, escreveu comédias, sendo que a mais popular, A Felicidade não se compra, se vende, paródia do filme de Frank Capra, A Felicidade não se Compra (It's a Wonderful Life), de 1946, chegou a ser encenada no circuito amador da cidade.

Pode-se dizer que o ingresso de Jolumá Britto na história da cidade ocorreu no início da década de 1930, quando decidiu escrever a biografia de Carlos Gomes, Tonico de
Campinas, trabalho pelo qual ganhou dez contos de réis e publicação gratuita pela editora Record de São Paulo.

Posteriormente, aproveitando-se de seu trabalho como tabelião de cartório no 2º Registro de Imóveis de Campinas (onde permaneceu por quase seis décadas), decidiu lançar-se na empreitada de escrever “toda a história de Campinas”, da fundação até o século XIX, o que resultou nos vinte e seis volumes de História da Cidade de Campinas, impressos pela editora Saraiva entre 1956 e 1965.

Colecionador voraz, mantinha em casa uma enorme biblioteca, reunindo documentos e livros diversos a respeito da história de Campinas e do Brasil. Tudo que julgasse pertinente para a história da cidade, Britto catalogava e organizava em artigos datilografados ou em pequenos filetes de papel, que, vez ou outra levava para leitura na rádio ou publicava nos jornais da cidade.

Valendo-se da fama adquirida pela publicação dos livros, acabou por receber alguns trabalhos por encomenda e escreveu também os dois volumes de História da Cidade de Paulínia e História da Cidade de Americana, além do livro História do Clube Regatas.

Até o final de sua vida, Jolumá Britto manteve-se atento aos assuntos relacionados à história local. Sempre com tom crítico, manteve diversos debates pelos meios de comunicação; um deles, o mais famoso, foi relacionado à segunda comemoração do bicentenário local, em 1974, quando sozinho, se contrapôs a outros historiadores da cidade e, em vão, insistiu que a data em questão estava incorreta.

Britto também se envolveu com a preservação dos marcos históricos da cidade. No final da década de 1970 e início da década 1980, participou da Sociedade Campineira de Artes Cultura e Ensino, espécie de entidade voltada à manutenção do patrimônio imóvel da cidade (A Sociedade Campineira de Artes Cultura e Ensino, criada no final da década de 1960, tinha como objetivos “defender os postulados artísticos, culturais e educacionais” de Campinas). Como representante dela, abriu alguns processos de tombamento, enviando análises e históricos de alguns prédios da cidade, principalmente para o CONDEPHAT.

João Batista de Mello Britto Sá veio a falecer em 12 de novembro de 1987; perda irreparável.

Nota: Trechos e fotos desta matéria foram extraídos da dissertação de mestrado de Flávio Carnielli, chamada "Gazeteiros e bairristas: histórias, memórias e trajetórias de três memorialistas urbanos de Campinas", defendida no ano de 2007 no curso de História da UNICAMP.

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